sexta-feira, 29 de junho de 2012

OUTRAS POLÍTICAS PARA OUTRAS ECONOMIAS - Tese de Doutorado


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     Em suma, de que forma se configuravam empiricamente a participação e a transversalidade propostas como elementos constituintes de políticas para “outra economia”.
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      O objetivo principal deste trabalho foi examinar, ao longo do período 2003-2010, dinâmicas institucionais e padrões de interação que se estabelecem, no interior do aparelho estatal assim como no plano das relações Estado-sociedade, em torno da estruturação de ações de apoio a organizações econômicas de base associativa e autogestionária. As perguntas que nortearam a pesquisa giram em torno das formas e conteúdos que estas políticas assumem, a partir da identificação e análise dos contextos sócio-históricos e das dinâmicas das redes de relações em que se dá sua construção. Tendo em vista esses contextos e redes, como as demandas da economia solidária se traduziram no desenho de políticas federais e, sobretudo, no que de fato se estabeleceu como prioridade e chegou a se concretizar? Quais os principais atores envolvidos na produção dessas políticas, em torno de quais questões se estabeleceu a aliança, o acordo, o consenso, o conflito, o impasse? Quais os fatores que favoreceram ou limitaram a consolidação de concepções, processos e arranjos de políticas públicas que se propõem a questionar modelos hegemônicos de fazer economia e de fazer política?
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       As práticas de economia solidária precedem o uso do termo tal como vem sendo utilizado. Não são fenômeno recente na história das sociedades humanas, mas, nas últimas décadas, têm despertado renovado interesse em alguns países – seja pela recriação de formas tradicionais, seja pela emergência de formas inovadoras de solidariedade no plano econômico – no campo das práticas assim como nos debates políticos e teóricos. Na verdade, ela é considerada simultaneamente antiga e recente, duas ideias acionadas de modo positivo nos discursos sobre suas origens, sem que isso apareça como contraditório a seus atores (MOTTA, 2010: 131).
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       Não há dúvida de que a economia solidária guarda grandes convergências com a tradição cooperativista. No Brasil, a maioria das organizações do mundo da economia solidária faz constante alusão aos princípios originalmente estabelecidos pelo movimento cooperativista, ainda que só 10% de empreendimentos mapeados no SIES adotem a forma jurídica de cooperativa, conforme dado já mencionado. O baixo número de cooperativas mapeadas indica o distanciamento da economia solidária em relação ao chamado cooperativismo “tradicional”, geralmente ligado à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que engloba principalmente grandes cooperativas agrícolas e de crédito, além de consumo, transporte, prestação de serviços (principalmente saúde) e outros17.
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            Ao mesmo tempo, para vários dos estudiosos da economia solidária no Brasil, as referências ao pensamento socialista autogestionário não têm tido o espaço que se poderia esperar. Frequentemente alude-se aos chamados “utópicos” ou à posterior história do cooperativismo desde Rochdale, gradualmente desvinculada das correntes teóricas do socialismo libertário. Daí a perplexidade de um dos estudiosos da economia solidária que se reconhece na tradição marxista, o economista e professor da Unesp Henrique Novaes (2011), diante da virtual ausência de debates na economia solidária sobre estas correntes marxistas (ou que eventualmente romperiam com o marxismo). Para mim, ecoando Novaes, também parece incompreensível que um pensador como Tragtenberg permaneça praticamente ausente nos debates da economia solidária, seja na produção acadêmica, seja nos materiais de formação política – a não ser por exceções como Cláudio Nascimento (1999) e Maurício Faria (2005), estudiosos da autogestão que têm em comum nas suas trajetórias terem se sucedido no cargo de coordenador da área de formação da Senaes, além da professora de educação da UFF Lia Tiriba(2001), do economista e professor da UFPel Antônio Cruz (2007), ou do próprio Novaes.
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         De modo bastante simplificado, arriscaria resumir que os debates em torno dos sentidos da autogestão giram hoje em torno da seguinte questão: se eles só se verificariam em contextos de fluxo revolucionário que se abram à possibilidade de ir “além do capital”, ou se, ao invés, já estariam presentes em experiências de forte conteúdo anti-capitalista, isoladas e limitadas, mas concretas, construindo caminhos, no aqui e agora, para avançar em dilemas da autogestão tão presentes nas experiências do passado e frequentemente não enfrentados na reflexão teórica, tais como: formas de planejamento e organização, tecnologias herdadas e tecnologias alternativas, tempo de envolvimento nos processos decisórios etc. São visões distintas dentro do próprio pensamento autogestionário, que de certo modo colocam-se em extremos opostos.
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         A nova questão social de que tratam autores como Castel (1998) ou Rosanvallon (1998),
entre outros, não é senão o objeto sociológico por excelência: a inquietação quanto à capacidade de uma sociedade manter sua coesão a partir da ameaça de ruptura de vínculos sociais por alguns grupos, ou em termos durkheimianos, a “anomia social”. As metamorfoses da questão social (CASTEL, 1998) estariam profundamente vinculadas à perda de centralidade do emprego (formal), cada vez maior diante do fato de que a sociedade salarial está deixando de incluir trabalhadores, fazendo que o debate passe a girar em torno da vulnerabilidade resultante dessa exclusão – que, mais do que só marginalidade econômica, significa desenraizamento social."

Trechos da tese de doutorado OUTRAS POLÍTICAS PARA OUTRAS ECONOMIAS CONTEXTOS E REDES NA CONSTRUÇÃO DE AÇÕES DO GOVERNO FEDERAL VOLTADAS À ECONOMIA SOLIDÁRIA(2003-2010) Autora: Gabriela Cavalcanti Cunha

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